Que
vida a minha, penso aborrecido enquanto caminho a passos lentos em
direção a minha casa. Contas e mais contas, virose dos meninos, TPM da
mulher e agora, se já não bastasse, o carro quebra ao voltar do
trabalho. Pensam que acabou? Que nada. Hoje, logo hoje, os rodoviários
inventam de fazer greve e lá vou, com passos de tartaruga, remando pela
calçada. Já ia proferindo uns palavrões quando cai um temporal
daqueles, seguido de imediato apagão; pronto, não falta mais nada e tome
palavrões, em dobro, agora, pois estou ensopado e no escuro. Encosto em
uma velha marquise para me proteger da chuva e só pouco tempo depois
percebo que não estou só. Ao meu lado há algumas pessoas conversando,
certamente passando a chuva também. Conversam, animados, o que me
irrita; deveriam ser solidários com a minha falta de sorte, aliás, falta
de sorte deles também.
E
continuam a conversar, agradecendo a Deus pelo dia, como se aquele
fosse um dia bom. Ouço uma voz mais grave, pedindo à mulher que parta o
bolo, no que foi acompanhado pelos outros. Só faltava essa. Comer bolo
na chuva e no escuro. Tem gente pra tudo, resmungo em silêncio, mas o
bolo não foi partido. A mulher disse que não era a hora. Ainda bem que
havia um pouco de lucidez junto àqueles malucos.
Após
alguns minutos a chuva diminui, deixando espaço para uma leve garoa e
os postes de luz voltam a mostrar a cara da cidade. Logo percebo que
meus companheiros de marquise compõem uma família. O casal e quatro
filhos estão sentados sobre uma velha esteira de piripiri, dispostos em
círculo; ao centro uma caixa de papelão sustenta um pequeno bolo de
fubá, enfeitado com uma vela usada, cuidadosamente afixada. São
moradores de rua. Todos olham para mim, meio encabulados.
Cumprimento-os, em tom desconfiado, mas o patriarca quebra o protocolo e
me convida para a festa. É aniversário de sua caçula, diz com uma ponta
de orgulho. Recuso, pensado tratar-se de mera formalidade, mas o homem
insiste e termino aceitando. É convite de verdade. Logo após a mulher
acender a vela, cantamos os parabéns e comemos o bolo.
Acabou a festa, a aniversariante deita sua pequena cabeça de criança no colo da mãe e já começa a dormir. Despeço-me de todos. Deixo aquela doce família em sua velha esteira de piripiri, apresso os passos e corro para casa, levando junto a vergonha de minha amargura.
Acabou a festa, a aniversariante deita sua pequena cabeça de criança no colo da mãe e já começa a dormir. Despeço-me de todos. Deixo aquela doce família em sua velha esteira de piripiri, apresso os passos e corro para casa, levando junto a vergonha de minha amargura.
Um forte abraço.
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